top of page

Amemos os quebrados

Não sei porque, mas aparentemente, sempre tive uma queda pelo o que estava quebrado ou fora do lugar, seja lá o que fosse. Ficava horas tentando concertar um brinquedo e chorava quando nem o papai conseguia o arrumar.

- Querida, joga fora. Compramos outro depois.- Ele dizia. Aí eu chorava, chorava porque eu não queria que o brinquedo fosse para o lixo. E assim eu cresci.

Cresci com a necessidade de arrumar tudo e de encaixar todas as peças que estavam fora do lugar. Talvez seja até por isso que aprendi a amar quebra-cabeças. Quando era mais nova, passava dias encaixando pecinhas por pecinhas até ficar tudo bonitinho e certo. Me sentia satisfeita, depois bagunçava tudinho e começava de novo.

Até que um belo dia a vida me bagunçou todinha, me trazendo de volta, sem eu querer, para um lugar que conheci na infância, mas que não lembrava tão bem.

Foi dessa forma que descobri que as pessoas também quebram, também não se encaixam. E como um quebra-cabeça faltando algumas peças, ou como as pecinhas perdidas dentro de um jogo completamente diferente, eu me encontrei da mesma forma. Não fazia sentido estar aonde estava.

Então, pela primeira vez, percebi que existe algo mais difícil de ser concertado. Algo que também não podia ser jogado fora para "comprar um novo depois". Existia um coração apertado com dor e saudades, sentimentos que nunca antes havia sentido.

Aos poucos, sem conseguir concertá-lo, fui escondendo um coração que faltava suas peças. Mostrei para o mundo uma pessoa que tinha tudo no lugar, sendo que na realidade, já tinha varrido todos os cantos procurando, sem admitir, o que sabia que tinha perdido em outra terra bem distante.

Como não podia o jogar fora, fui fingindo, até acreditar que estava bem e que nada me faltava. Até encontrar outras pessoas quebradas. E, assim, me apaixonei pelos quebrados. Apaixonei pelas pessoas que faltavam pedaços e que se encontravam perdidas. Talvez fosse uma paixão perigosa, mas fui. Fui de cabeça. Acreditei que talvez concertaria as minhas partes arrumando as delas. Assim tentei, ajudei, estive do lado desses que nem fingir estar bem conseguiam. Fiquei insistindo no concerto deles, até perceber que nada disso me arrumava. Nada disso me trazia peças novas, ou as vezes, até trazia, no entanto, não se encaixavam.

Provavelmente, isso contecia porque os ajudava esperando algo de volta. Talvez um coração novo, ou quem sabe, aquelas peças perdidas pela a estrada. Então me frustrei. Me frustrei ao perceber que quando um estava bem, sempre ia embora sem nem ao menos me dar em troca um muito obrigado. Ia e me esquecia.

Não aguentando mais isso, tomei um rumo na vida e entendi que se não fosse eu, ninguém me ajudaria. Eu não percebia isso antes, mas ao ser deixada várias vezes para trás, aprendi que eu era mais forte do que quem ajudei. Era mais forte porque mesmo nos momentos difíceis ainda era capaz de levantar sozinha e andar, diferente daqueles que encontrei pelo caminho.

Amei os quebrados por ter sido quebrada. No entanto, não os odiei quando foram embora sem nem mesmo avisar. Eu tive compaixão e esperei que tenham aprendido a viver de forma plena e leve. A vida me ensinou que todos nós somos apenas humanos. Já aconteceu desastres com todos, arrependimentos que colocamos dentro de uma mala perto da porta. Infelizmente, parece mais fácil ir embora do que ficar, do que se apegar e ai se quebrar todinho de novo, não é? Eu sei, já estive lá.

Aprendi que todos, todos, se sentem esquecidos de vez em quando, mesmo quando temos tantos "amigos" ao nosso redor. Todos nós, em algum momento, não nos encaixamos. Todos nós fomos quebrados em alguma hora. E todos sabemos como é se sentir assim. Aprendi que era amor que faltava naqueles quebrados e que, em algumas vezes, foi isso que faltou em mim também. Foi assim que compreendi que o segredo do concerto era amar a mim e a eles, mesmo que isso não fosse devolvido.

O que frustra o mundo é o fato de esperar o bem de volta. É querer tudo em troca. Assim, nos tornamos cada vez mais quebrados. Cada dia vai faltando mais peças e nunca conseguimos nem ao menos nos concertar, quem dirá arrumar os outros. De repente, não temos mais amor para compartilhar, nem o bem para ser feito e mundo se torna escuro e vazio. As pessoas se tornam egoístas e ranzinzas.

Foi sem esperar nada voltar que me concertei.

Então, amemos os quebrados, mesmo sabendo que provavelmente eles não devolvam esse amor.

Posts Destacados
Posts Recentes
SIGA
  • Facebook Social Icon
  • Twitter Social Icon
  • YouTube Social  Icon
  • Tumblr Social Icon
bottom of page