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O Desapego

Aí eu me fechei em um dos toilets, abaixei a tampa do vaso, sentei em cima com minhas pernas dobradas e meus braços ao redor delas cabisbaixa. Os banheiros sempre foram meus esconderijos preferidos nos internatos (já que quando era para chorar, não fazia escândalo nenhum).

Não dava para me trancar no quarto e surtar. As minhas colegas iam entrar e, ao me ver assim, com certeza iriam perguntar o que tinha acontecido e euzinha aqui, que nunca fui muito boa (nem gosto) em compartilhar meus dramas com ninguém, não saberia dizer nadinha. Sempre detestei que as pessoas me vissem chorar. Sinceramente, acredito que ninguém precisa ser bombardeado com os dramas de outrem. Pelo menos é assim que vejo.

Dessa vez as lágrimas não queriam sair escorrendo pelas minhas bochechas, que no momento estavam ultra, mega vermelhas. Porém o coração estava tão apertado que não aguentava mais, parecia que ia explodir. Motivo de tanto dor: o fato de não saber desapegar do que tanto precisava.

Carregava dia após dia coisas pesadas de mais para a minha pessoa mirrada aguentar. No entanto, como eu sempre fui teimosa e queria mostrar para o mundo, inclusive para mim mesma, que tudo estava bem, que eu conseguia.

- Tá tudo bem. – Falava na tentativa de não deixar transparecer meu cansaço. SÓ QUE NUNCA ESTAVA TUDO BEM! A saudade de algo que tinha ido embora e me deixado em milhões de pedacinhos me consumia. Não me deixava ser feliz e não, eu simplesmente não suportava aquilo mais. Contudo, eu queria mostrar que eu era forte.

– Mãe, eu tô pouco me linchando pra tudo isso. – “Convencia” minha mãe esperando que essa mesma frase fosse real para mim, que ela também me convencesse. Olhava diariamente para o espelho e dizia “você é forte”. NÃO CARAMBA! ISSO NÃO É VERDADE!

Foram anos tentando segurar o vento jurando que era algo amais. Foram tempos gastos correndo atrás do que nunca ia voltar. E para quê? Apenas para me machucar mais um pouquinho. Apenas para quase morrer de desgosto da vida. Achava que sobreviver era o mesmo de viver e assim, acreditava, ou tentava crer, que eu era forte, só pelo fato de ter sobrevivido. Só que isso nunca chegou nem perto de da veracidade! Não basta sobreviver e viver como um zombie. E é exatamente isso que a falta do desapego faz conosco.

- CHEGA! JÁ DEU! – Gritei um certo dia para os quatro ventos. – Não aguento mais andar assim, ser assim, viver assim. –

O peso faz mal para a saúde, para a coluna, aliás... faz mal para tudo. Então olhei para aquelas malas gigantes e então para as minhas pequenas mãos calejadas e meus pés vermelhos e inchados. Voltei o olhar para as bolsas cheias de tralhas que me cansavam, que exigiam demais de mim, de lembranças de pessoas vazias que na realidade nunca quiseram meu bem.

- Pode ser que vai doer, e tenho noção que pode ser que doa muito. Mas cansei. Com certeza vai ser mil vezes melhor do que me machucar pelo o resto da vida, me atrasando de chegar nas coisas boas, de conhecer pessoas legais. De agora em diante, só vou carregar o que couber no meu bolso. Só! – Resmunguei. Larguei as malas no deserto e fui embora. Sem rumo ainda, mas fui sabendo que de agora em diante a vida seria mais leve como ela deveria ser. – De agora em diante vou viver intensamente, e quando for hora de deixar ir, que vá e que seja feliz, não importa como for. –

A falta do desapego nos corrói, nos mata, nos torna compulsivos, cansados e tristes. Não conseguimos viver, não conseguimos voar, não damos um sorriso sincero. Nos atrasa e nunca, nunquinha, conseguimos encontrar a felicidade.

Sim, parece que eu fui feita para desapegar. Tenho até um PHD nisso. É sim. O diploma está pendurado na parede da minha vida. E é chato, não vou mentir, mas vivo melhor depois de ter aprendido isso.

Um dia eu tinha que sair do banheiro e continuar vivendo. Dei uma respirada bem funda, chacoalhei a minha cabeça como se isso fosse organizar meus pensamentos, levantei, dei uma olhada no espelho e dei as costas. Larguei tudinho aonde deveria ter largado a muito tempo. Fui sim embora e mais importante: fui ser feliz.

“Fechei os olhos e pedir um favor ao vento: Leve tudo o que for desnecessário. Ando cansada de bagagens pesadas.... Daqui para frente apenas o que couber no bolso e no coração. ” Cora Coralina

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